19 de jul. de 2013

Pequenos (grandes) problemas

   Pequenos (grandes) problemas

 De um lado, o número cada vez maior de crimes praticados por jovens. Do outro, cientistas em busca de explicações para tal comportamento. Entenda os porquês dessa briga

Anna Gosline 








   É tarde da noite. Você caminha de volta para casa, sozinho, e passa por uma praça pouco iluminada. Um arrepio percorre seu corpo quando você os vê. Adolescentes. Eles falam alto, lembrando como afanaram a bolsa de uma senhora naquela manhã, em pleno horário de aula. Essas crianças...

   De seguranças de shoppings centers que não tiram os olhos de grupos de jovens à cobertura da mídia sobre o último tiroteio ou esfaqueamento envolvendo adolescentes, há uma preocupação crescente em todo o mundo a respeito da criminalidade e do comportamento anti-social entre os jovens. Políticos e formadores de opinião discutem fervorosamente sobre as possíveis causas do fenômeno: pais separados, álcool, TV, videogames ou apenas uma sociedade decadente. O fato é que ninguém parece saber o que fazer a respeito.

   Uma nova geração de cientistas está jogando luzes sobre o debate. Auxiliados por avanços nas técnicas de imageamento cerebral e na genética molecular, eles estão começando a entender o que há de errado quando as crianças não dão certo. Melhor: a ciência começa a descobrir novos métodos para cortar o crime juvenil pela raiz.

   A preocupação causada pelo mau comportamento do adolescente não é novidade. No livro "Psychosocial Disorders in Young People: Time Trends and Their Causes" ("Doenças Psicossociais em Jovens: Tendências do Tempo e Suas Causas"), de 1995, o psiquiatra infantil Michael Rutter e o criminologista David Smith documentaram um aumento crescente em crimes juvenis em todo o planeta logo após a Segunda Guerra Mundial, com uma taxa cinco vezes maior entre 1950 e 1990 nos países desenvolvidos.

   O problema é que o mundo em 2008 é outro, principalmente para os mais jovens. Interpretar as tendências criminosas recentes é uma missão difícil graças às mudanças nos tipos de crime registrados e às fontes de informação conflitantes. O fato de a maioria dos crimes não ser comunicada às autoridades também não ajuda. De acordo com dados oficiais, a criminalidade caiu entre 1992 e 1999 no Reino Unido. Mas houve crescimento expressivo na faixa etária entre 14 e 17 anos, em ambos os sexos.







Idades do crime

   Não há como negar que o crime é uma opção para muitos adolescentes. Estatísticas oficiais dos governos americano e britânico sugerem que o auge da atividade criminal entre os garotos acontece entre 17 e 18 anos. Para as meninas, a pior fase ocorre entre 14 e 15 anos. Mas, de acordo com a pesquisadora Terie Moffit, do Instituto de Psiquiatria de Londres, esses números contam apenas metade da história. Ela argumenta que eles ocultam dois tipos distintos de delito.

   O mais comum é o crime insignificante, incentivado pela sedução glamourosa das más companhias. Esses delinqüentes tendem a abandonar tal comportamento perto dos vinte anos. O outro grupo, mais problemático, é o que começa a mostrar um comportamento anti-social no jardim da infância. Essas crianças, diz Moffit, têm predisposições biológicas para problemas comportamentais. Se inseridas em um ambiente difícil - sem educação adequada ou sofrendo com as agruras da pobreza ou do abuso -, elas terão alto risco de se tornarem criminosos violentos por toda a vida. Grande parte do trabalho de Moffit vem sendo realizado com o "bando de Dunedin". Ele é formado por 535 homens e 502 mulheres, todos nascidos em 1972 e 1973 e inscritos logo que nasceram no Estudo de Saúde e Desenvolvimento Multidisciplinar da Universidade de Otago, em Dunedin, Nova Zelândia.

   Cruzando as informações do grupo neozelandês com outros estudos, Moffit descobriu que garotos e garotas que se tornaram criminosos por "toda a vida" tinham propensão a algum tipo de defeito neurológico desenvolvido muito cedo, até os três anos de idade. Essas crianças tendiam a ter um QI baixo, habilidades de linguagem pobres e, especialmente, o diagnóstico de déficit de atenção e hiperatividade. Esses problemas são mais comuns em meninos do que em meninas, como no crime adolescente em geral. Isso tudo também ocorre em casos de transtorno de conduta, distúrbio caracterizado pela violência, crueldade com pessoas e animais e uma tendência a quebrar regras. É claro que há quem pegue mais pesado no grupo mais "leve" de Dunedin. Aos 26 anos de idade, muitos deles ainda cometiam delitos, além de terem maior probabilidade de usar drogas ou sofrer de distúrbios mentais. Mesmo assim, os delinqüentes mais precoces, que correspondem a 10% do grupo masculino de Dunedin, representam o maior problema. Aos mesmos 26 anos, eles acumularam quase metade das acusações mais sérias entre todos os pesquisados.

   O que há de tão diferente nas crianças que se tornam más logo cedo? "Muitos de seus traços cognitivos e emocionais têm um forte fator genético", diz Moffit. Realmente, décadas de estudos sobre gêmeos e adoção mostraram que o comportamento anti-social e criminoso tende a enraizar-se em determinadas famílias. Em estudo publicado em 2005, Moffit concluiu que a genética é responsável por quase 50% do comportamento anti-social entre jovens.

   Um déficit cognitivo que leva à predisposição a participação em crimes violentos também pode ser adquirido logo no começo da vida graças a desnutrição, complicações no parto ou peso baixo no nascimento. Anomalias físicas menores, como línguas fissuradas ou orelhas mal formadas - que podem estar relacionadas a um desenvolvimento neural deficiente - também podem ser um sinal do que virá no futuro.








Começo difícil

   Por sorte, a biologia não está relacionada ao destino. Em 1994, a equipe de Patricia Brennan, da Universidade Emory, em Atlanta (EUA), estudou a interação entre complicações no nascimento e maternidade em um grupo de homens dinamarqueses. Os pesquisadores descobriram que, enquanto partos complicados aumentavam o risco de um comportamento criminoso mais tarde, a rejeição materna no começo da vida intensificava a probabilidade de participação em um crime violento por volta dos 18 anos. "Só a biologia não é suficiente para explicar tal comportamento. É preciso associá-la a outro fator, como um ambiente social deficiente ou maus pais", diz Brennan.

   Alguns pesquisadores começam a desvendar como certos genes e o ambiente social provocam mudanças cerebrais capazes de influenciar o controle emocional e a violência em crianças. Um dos avanços mais interessantes surgiu em 2002, quando o grupo de Moffit se concentrou no gene da enzima monoamina oxidase A (MAO-A). Variantes dessa enzima têm sido relacionadas a agressões cometidas contra animais e humanos: ela é capaz de quebrar neurotransmissores, incluindo a serotonina, uma das chaves para o controle da agressão. Os pesquisadores estudaram a interação entre a enzima, criminalidade e abuso infantil, um fator de risco decisivo na construção de um comportamento anti-social na idade adulta.

   Usando amostras de sangue dos homens do grupo de Dunedin, a equipe de Moffit dividiu-os em dois conjuntos: um com alta e outro com baixa atividade da enzima. Eles também foram separados de acordo com a incidência de maus-tratos durante a infância: 8% dos garotos haviam sido severamente maltratados quando crianças e 28% sofreram algum tipo de abuso durante a infância.

   A pesquisa descobriu que as variantes da enzima não são capazes de indicar, sozinhas, comportamentos criminosos na idade adulta. Mas algo impressionou os cientistas a respeito dos resultados relativos aos garotos com baixa atividade da enzima e histórico de abuso na infância. Eles tinham três vezes mais chances de enfrentar algum distúrbio do comportamento na adolescência. Mais: o grupo era dez vezes mais propenso a sofrer condenações por crimes violentos no futuro.

Cara de ódio

   O que essa constatação explica? Trocando em miúdos, a combinação de abusos na infância e baixa atividade da enzima MAO-A parece intensificar a reatividade emocional das crianças. Em 2002, testes realizados com meninos e meninas de 9 anos pelo psicólogo Seth Pollk, da Universidade de Madison (EUA), mostraram que os maltratados no passado eram bem mais rápidos ao captar raiva e hostilidade facial quando comparados a crianças que não passaram por abusos. Enquanto a percepção de uma ameaça pode ajudar os primeiros na adaptação a uma vida cheia de perigo e privação, seus níveis de reatividade e violência impulsiva podem chegar às alturas.

   Outro estudo, coordenado em 2006 por Andreas Meyer-Lindbergh, pesquisador do Instituto Nacional de Saúde Mental (EUA), usou imagens de ressonâncias magnéticas cerebrais para mostrar que pessoas saudáveis com baixa atividade da enzima MAO-A tinham amígdalas mais ativas. Essa área do cérebro processa nossas emoções, como o medo e a reação de lutar ou fugir. Para descobrir o que se passava na cabeça de seus voluntários, Meyer-Lindbergh apresentou a eles fotos de rostos com raiva ou medo e pediu a todos que acessassem suas próprias lembranças negativas. Ahmad Hariri, um dos cientistas que participaram do estudo de 2006, alerta que ainda há muito a descobrir. "Não somos capazes de medir a reatividade da amígdala de alguém e depois prever se essa pessoa vai socar outro indivíduo quando for contrariada", diz.

   Além disso, os pesquisadores ainda tentam entender outro grupo de crianças. Elas também apresentam um comportamento anti-social precoce, mas não demonstram nenhum tipo de reação emocional. Quando submetidas a testes, atingem altos índices de insensibilidade emocional, componente fundamental para o diagnóstico de psicopatia adulta. Além disso, elas sofrem com a falta de empatia e de culpa e pontuam mais nos quesitos busca de perigo, falta de medo e narcisismo. Elas têm QI normal e são geralmente insensíveis a castigos, mas muito receptivas a recompensas.

   "Defeitos emocionais repousam no centro de suas tendências anti-sociais", diz James Blair, especialista em psicopatia do Instituto Nacional de Saúde Mental (EUA). Sem entender essas pistas ameaçadoras, como a falta de medo, as crianças sofrem maior risco de passar por situações perigosas. Sem compreender a dor dos outros, muitas não conseguem evitar a crueldade. "Durante a socialização, é crucial aprender que algumas atitudes podem provocar medo ou tristeza em outras pessoas. Só assim aprendemos a evitá-las", diz Blair. Ele também afirma que essa mecânica de aprendizado parece defeituosa em psicopatas. "Se eles querem algo e dar um soco na cara de alguém parece ser o caminho para conseguir, acabam adotando tal comportamento", diz.

   "Esse tipo de violência é típica de crianças com insensibilidade emocional", diz Paul Frick, pesquisador da Universidade de Nova Orleans (EUA). Ele estima que cerca de 30% das crianças com comportamento anti-social precoce mostram traços de insensibilidade emocional. Frick também descobriu que elas têm mais chances de se tornarem violentas na idade adulta. Mais uma vez a amígdala e mais algumas áreas do cérebro podem ser as culpadas. Dessa vez, entretanto, o problema é oposto. Imagens cerebrais de psicopatas adultos revelam baixa atividade na amígdala e em áreas do córtex pré-frontal em situações amedrontadoras e quando suas memórias emocionais são ativadas. O fato é que já sabemos que a genética exerce papel ainda maior em crianças com insensibilidade emocional. Essi Viding, do Instituto de Psiquiatria de Londres, realizou um estudo com gêmeos britânicos de 7 anos em 2005. De acordo com os seus resultados, 67% das variações de insensibilidade emocional podem ser explicados geneticamente.

   James Blair vai além. De acordo com ele, traços de insensibilidade emocional não possuem causas sociais conhecidas e têm uma conexão frágil com má educação e até mesmo maus-tratos. Claro que o ambiente familiar e social influem na formação de um indivíduo. Situações de pobreza, por exemplo, oferecem mais motivos para a prática criminosa. "A psicopatia é um problema emocional, ela não empurra ninguém para fazer algo, a menos que haja uma recompensa óbvia", diz Blair.

   Entender se uma criança é superemocional ou insensível ajuda os psicólogos no diagnóstico precoce. Assim é possível aplicar tratamentos específicos antes que elas se envolvam em atos criminosos. "Há 20 anos, só poderíamos indicar terapias e aconselhamento. Depois, era preciso esperar alguns meses para ver se havia melhoras", diz Stephen Scott, do Instituto de Psiquiatria de Londres.

   A melhora na educação entre quatro paredes é uma das principais ferramentas da nova abordagem dada ao comportamento anti-social. Em crianças com predisposição genética ou fatores de risco sociais, a boa educação vinda dos pais pode fazer toda a diferença. Em 2001, Stephen Scott realizou um curso de três meses com pais que ensinava a importância do incentivo ao bom comportamento, aliado a punições serenas e consistentes. Os pais reportaram uma redução significativa nos problemas de conduta. Melhor: os benefícios continuaram, mesmo um ano após o fim do curso.







Castigos ineficazes

   A estratégia tende a ser um pouco diferente para crianças com insensibilidade emocional. Em 2005, David Hawes e Mark Dadds, da Universidade de Nova Gales (Austrália), testaram um programa familiar semelhante ao de Scott com garotos de 4 a 8 anos, alguns dos quais com traços de insensibilidade emocional. Os castigos se mostraram ineficazes para os últimos, mas usar incentivos como recompensa funcionou muito melhor.

   Não importa qual o método, a mensagem clara de todos os pesquisadores é uma só: quanto mais cedo, melhor. Programas para adolescentes alcançam certo sucesso, mas manipular o comportamento de crianças com menos de 8 anos é claramente mais eficaz.

   Algumas das estratégias mais bem-sucedidas começam antes mesmo de a criança nascer. Em estudo divulgado em 1998, David Olds, da Universidade do Colorado (EUA), reportou o acompanhamento de 315 crianças nascidas entre 1978 e 1980 ao longo de 15 anos. Suas mães receberam a visita mensal de uma enfermeira desde a gravidez até a criança completar dois anos. O foco do trabalho era o cuidado positivo, a boa nutrição e o desenvolvimento pessoal da mãe. Os resultados foram drásticos entre os filhos das mais pobres e solteiras: aos 15 anos, eles contabilizaram apenas metade do número de detenções e um quinto do número de condenações da média entre a mesma população. Os jovens também bebiam e fumavam menos e tinham menos parceiros sexuais do que aqueles que vinham de famílias que não passaram pelo programa.

   Esse tipo de intervenção não é barata, mas seus resultados são inquestionáveis. O último relatório sobre os neozelandeses do grupo de Dunedin mostrou que, aos 32 anos, os homens do grupo de crimes persistentes tinham dez vezes mais probabilidade de serem fumantes, 22 vezes mais chances de serem consumidores de drogas e 19 vezes mais risco de serem hospitalizados por doenças mentais do que o grupo de baixa atividade criminal. Eles também eram mais propensos a doenças cardíacas e derrames. Além disso, homens e mulheres do grupo de maior risco criminal tinham mais propabilidade de maltratarem seus parceiros. Já as mulheres eram especialmente mais propensas a baterem em seus filhos, com tudo para colocá-los no mesmo caminho no futuro. Resta saber se a ciência será capaz de quebrar este círculo vicioso. Não custa lembrar: todas as nossas crianças valem o esforço.

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